sábado, 22 de agosto de 2009

Diário de um Ordinário

E ele partiu. Com a mala repleta de sonhos e os bolsos cheios de boas intenções, ele partiu. Partiu o coração de sua família, partiu o sorriso do rosto dos amigos e se partiu em vários pedaços com vontades distintas. Ele quis partir, quis ficar, quis não querer, quis se partir ao meio e acabou partindo dali.

À medida que se adaptava ao novo papel e ensaiava as falas de seu mais novo personagem, punha em cheque tudo o que houvera vivido até então. Questionava seus valores, seus temores e até mesmo seus amores. Sentia a pele pinicar, o estômago embrulhar e sua voz embargar sempre que o telefone tocava. Então ele se debatia, sofria e cinicamente aplaudia sua doentia encenação!

Começara tudo: trabalho, estudos, distância, vazio, dor... E logo recomeçava: impotência, ausência, medo, dúvida, culpa... E assim lhe iam escapando os dias sem que ele pudesse evitar.

Estava prestes a apertar o play novamente e retomar o seu monólogo ensurdecido quando decidiu, por fim, pôr um fim àquela agonia e trocar o disco em questão. Por horas buscou em sua estante algum que lhe pudesse dar qualquer norte. Como não teve sorte e por não ser um cara propriamente forte, logo preferiu a morte! Aquelas narrativas que locupletavam suas prateleiras já não lhe diziam mais nada. Então, por alguns segundos parou e buscou nas histórias de terceiros e nas aventuras que viviam em seus quartos e nos quintos dos inferninhos algo de que se pudesse valer. E preferiu não ter pensado nisso!

Precisava de um roteiro seu, de uma peça que contasse a sua verdade! Então, num impactante ato de lirismo, arremessou longe livros, discos e filmes. E recolhendo-se num canto atrás da porta, começou baixinho e entre lágrimas a cantar uma música que jamais antes ouvira. Num dramático e musical crescendo, sentia sua voz se encorpar e ganhar uma corajosa entonação. Saiu então às ruas e manteve no timbre sua sincera melodia. Retribuía com sorrisos o deboche e o pasmo alheios. E, sozinho, seguia com seu cântico inopinado...

(Sábado, Fevereiro 03, 2007)

6 comentários:

Ciro disse...

Muito bom, Felipe! Creio que já tinha lido esse texto antes, mas é sempre bom reler, ainda mais sabendo que é seu e que agora tem esse blog 'solo', hã?

Espero ler mais Felipe Carvalho!

Grande abraço!

Felipe Carvalho disse...

Caramba! Que honra receber um comentário de estréia justo do MESTRE!

Sim, esse é um texto já do seu conhecimento, mas que quis repostar e começar com ele por dois motivos: o título e a proposta do Blog em si e tb um pouco de reflexo com a conjuntura atual (risos)

Mas não pense que me esqueci do B.V. não! Se me permitirem, quero figurar nos dois mundos sempre que possível e oportuno.

E volte mais vezes! Estarei sempre aqui :)

Carlos Filho disse...

Tá na surdina, heim? Cara, descobri seu blog por acaso, ou seria por interesse? Sei lá, só sei que o nome me chamou a atenção e cá estou! hehehe

No final, deparo com um texto (poema) pensamento, ensino. Nem sei descrever. É isso ae, bora pra frente!

Abraço

Ciro disse...

Hahahahahah!! 'Mestre'? Só se for 'Mestre do Pastelão', viu Felipe? Hihihihi!!!

"Se me permitirem, quero figurar nos dois mundos sempre que possível e oportuno.". O que quis dizer com isso? Quer voltar a escrever no Boneco Verde?

Se quiser, os braços estão abertos!

Sessyllya ayllysseS disse...

Não me canso de ler esse texto. Queria tê-lo escrito. Sinceramente.
Saudade de vc!!!
Bju!

Bruno Carvalho disse...

Muito bom meeeeeeeeessmo Felipe!!!
Ao seu estilo, a sua meaniea de escrever, assim como escrito no texto!
Estás de parabéns pelo blog, e também pelo texto!

Faço minhas as palavras do Ciro "Estamos de braços abertos"

Mais uma vez, parabéns!

É isso ai!

Abraço!